O GRANIZO – CATÁSTROFE METEOROLÓGICA

Freqüentemente a imprensa noticia eventos meteorológicos que ocorrem no mundo todo, e também em nosso país, ocasionando estragos a propriedades urbanas e a lavouras, às vezes com conseqüências trágicas devido a enormes perdas materiais e de vidas. Tais eventos são fenômenos aleatórios, cujo estudo, entretanto, tem sido efetuado através de modelos matemáticos baseados na Teoria do Caos e na Teoria das Catástrofes.

Dentre esses eventos, tem sido estudado o fenômeno do granizo, ou “chuva de pedras”, embora ainda de forma incipiente. Trata-se de um tipo de turbulência meteorológica que constitui ameaça principalmente às lavouras quando ocorre em intervalos muitos curtos ou com excepcional intensidade.

O granizo é mencionado no texto bíblico como uma das pragas destruidoras por ocasião do êxodo do Egito (Êxodo 9:12-35), e também como algo que ocorrerá de forma devastadora e impressionante nos tempos finais da história (Apocalipse 8:7 e 16:21). A complexidade da origem do fenômeno sempre intrigou o homem, e fez parte da argumentação desenvolvida na conversa entre Deus e Jó (Jó 38:22-23).

Faz-se a seguir a transcrição de trechos do artigo intitulado “O Granizo no Território Paulista”, apresentado no número 183 do Suplemento Cultural de “O Estado de S. Paulo”, prestigioso matutino paulista. O artigo, de autoria de José Bueno Conti, descreve os resultados preliminares de um estudo sobre a ocorrência do fenômeno no Estado de São Paulo, e apresenta exemplos interessantes do seu efeito devastador.

Introdução

Nos últimos anos o Sul e o Sudeste do Brasil têm sido particularmente afetados por anormalidades climáticas, cujas conseqüências se têm feito sentir nas atividades econômicas e na vida da população. Um exame retrospectivos permite destacar alguns desses desvios.

No primeiro semestre de 1978, extensas áreas do Brasil Meridional, habitualmente bem providas de chuvas, foram flageladas pela estiagem, especialmente o vale do rio Uruguai, o Oeste catarinense e a maior parte do Estado do Paraná. Importantes regiões agrícolas e pastoris sofreram prejuízos consideráveis exigindo uma mobilização geral de esforços para atenuar os efeitos da inesperada seca.

Em 1975, houve excessos de frio, e em julho daquele ano a geada devastou os cafezais paranaenses e paulistas, comprometendo seriamente o resultado das safras. Em 17/07/75 sobreveio, em Curitiba, a maior nevada registrada desde 1928. A inclemência do tempo manifestou-se, também, através de turbulências e quedas de granizo em vários pontos do Sudeste, sobretudo nas regiões serranas e de planalto.

Apesar do interesse que representa o conhecimento de qualquer tipo de irregularidade climática e seus reflexos na vida econômica, nossa atenção concentrou-se no estudo da queda de granizo, pela sua indiscutível especialidade.
O granizo ou saraiva, denominações que variam conforme o tamanho dos grãos de gelo, verifica-se notadamente em zonas montanhosas, afetando áreas onde, em geral, se praticam culturas de clima temperado, que exigem técnicas apuradas e alto investimento. Tais áreas, ao mesmo tempo que são recomendadas para esse tipo de produto, em virtude de suas médias térmicas relativamente baixas, apresentam-se, por outro lado, muito vulneráveis às granizadas, cujos efeitos são desastrosos principalmente quando se verificam na fase inicial do crescimento das plantas ou durante a maturação dos frutos. Apesar do grande interesse em se encontrar uma defesa contra esse flagelo atmosférico, as medidas que têm sido sugeridas ainda são de eficiência discutível. Trata-se, portanto, de mais de um desafio a ser vencido pelo homem na sua antiga luta contra os elementos.

O Fenômeno Meteorológico

O granizo é uma ocorrência associada a condições de forte instabilidade atmosférica e bruscos movimentos convectivos, responsáveis pela formação de cúmulos-nimbos com grande concentração de cristais de gelo. O estudo da distribuição espacial desse fenômeno já permitiu obter conclusões bem conhecidas, tais como a de que é mais freqüente nas áreas de montanha e altos planaltos, onde a temperatura média é mais baixa que ao nível do mar, diminuindo sua ocorrência à medida que nos afastamos das regiões tropicais.

Procurando explicá-lo simplificadamente, o esquema seria o seguinte: nuvens do tipo cúmulo-nimbo contêm em seu interior um complexo mecanismo de correntes ascendentes que se elevam até seu limite superior. Pesquisas efetuadas em áreas temperadas demonstram que as gotículas de água de um cúmulo-nimbo, formadas em conseqüência da condensação, continuaram a se elevar impulsionadas pelas correntes ascendentes, permanecendo em estado líquido até aproximadamente a altitude de 8,5 quilômetros, onde a temperatura é da ordem de -35ºC, verificando-se, portanto, o fenômeno da superfusão. A partir desse nível, transformam-se em cristais de gelo. Ao precipitarem-se, afluem para o nível de condensação onde tendem a aumentar por “deposição” (isto é, fixação do vapor d’água diretamente no estado sólido ou sublimação inversa), processo bem estudado pelos meteorologistas escandinavos Bergeron e Findeisen, além de outros. Tem início assim a formação do granizo. A ação continua – os cristais aumentam de tamanho graças à coalescência, podendo ser novamente elevados pelas correntes ascendentes e, mais uma vez, retornarem ao nível de condensação onde sofrerão nova “deposição”, razão pela qual o granizo, examinado ao microscópio, e, mesmo a olho nu, mostra, freqüentemente, várias camadas de água solidificada. Atingindo um peso superior à força de arrasto provocada pelas correntes ascendentes, precipita-se ao solo, indo atingi-lo ainda em estado sólido, ocasionando o que popularmente se denomina de “chuva de pedra”, cujas conseqüências podem ser graves conforme o grau de intensidade que o fenômeno assume (Ver Fig. 1 na RC).

Exemplos de Granizo no Território Paulista

A queda de granizo no Estado de São Paulo foi estudada pelo meteorologista Sylvio O. Dorta, do 7º Distrito de Meteorologia, na monografia “Subsídios ao Estudo do Granizo” (edição mimeografada), onde o autor focaliza a década de 61 a 70, mencionando a região de Franca, no nordeste do Estado, como a de maior incidência. Há também um bom acervo de informações levantadas pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, por meio de suas “Carteiras de Seguro Contra Granizo”.

As ocorrências dos últimos anos estimularam-nos a ampliar a investigação desse fenômeno tão temido pelas lavouras de montanha. Tomamos uma série de 31 anos (1944-74) referentes a 28 estações meteorológicas operadas pelo 7º Distrito de Meteorologia – Araçatuba, Bananal, Bauru, Campinas, Catanduva, Colina, Campos do Jordão, Franca, Iguape, Limeira, Lins, Mococa, Monte Alegre do Sul, Paraibuna, Pindamonhangaba, Piraçununga, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santa Rita do Passa Quatro, Santos, São Paulo (Mirante de Santana), São Paulo (Horto Florestal), São Simão, Sorocaba, Taubaté, Tietê e Ubatuba – e procedemos à contagem dos dias de granizo na série referida, em cada um desses pontos de observação. Verificamos, de forma muito clara, a concentração do fenômeno nas áreas serranas e altos planaltos, aparecendo as regiões de Franca e de Campos do Jordão como as mais sujeitas, constatação que veio confirmar o fato de que na faixa intertropical a queda de granizo coincide com os trechos elevados em relação ao nível do mar.

A análise demostrou, também, de forma inequívoca, a existência de correlação linear positiva entre altitude e queda de granizo, podendo apontar-se como exemplos os dois casos extremos: Campos do Jordão, a 1.593 metros de altitude, registrou 71 ocorrências, ao passo que Santos, ao nível do mar, apenas 3. È de se admitir que, nas áreas serranas, a rugosidade do terreno ative a turbulência, estimulando situações locais de instabilidade, tornando, portanto, mais repetidos os episódios de granizo.

A observação da freqüência mensal indicou nítida concentração nos meses de primavera (40,4% dos casos, dos quais metade no mês de outubro), corroborando resultados obtidos em outros pontos do Globo. Temos conhecimento de estudos realizados em Denver, Colorado (EUA) por W. B. Beckwith, os quais assinalaram o mês de maio (primavera no Hemisfério Norte) como o de maior incidência de granizadas.

O episódio de Atibaia

No dia 7 de outubro de 1975, entre 15h30min e 16 horas, verificou-se uma tempestade de granizo de inusitada intensidade no município de Atibaia, a 60 quilômetros da capital paulista, afetando cerca de 120 quilômetros quadrados, numa faixa de altitude entre 740 e 1.000 metros sobre o nível do mar. O fenômeno, embora tivesse durado apenas 20 minutos, foi de uma violência excepcional, destruindo significativas áreas de culturas de pêssegos, uva Itália, morangos, legumes, flores e alguns milhares de cafeeiros. Levantamentos efetuados pela Cooperativa Agrícola Sul-Brasil, Sindicato Rural de Atibaia, Associação Rural de Atibaia e Casa da Agricultura da mesma localidade estimaram em cerca de 1.300.000 pés de frutas prejudicados, além de 115.000 cafeeiros, ocasionando elevadas perdas financeiras.

O posto pluviométrico da Cooperativa Agrícola Sul Brasil, localizado na área afetada, acusou, naquele dia, um total de 92 milímetros de chuva, valor que deve revelar, em grande parte, água de fusão do granizo recolhido pelo respectivo pluviômetro. Durante a granizada, o vento era procedente do quadrante sudeste e soprava com grande força como se constatou pelo enorme número de vidraças danificadas, voltadas nessa direção.

Pode-se esboçar uma explicação para esse fenômeno, se examinarmos a situação sinóptica através das cartas elaboradas pelo 7º Distrito de Meteorologia e das imagens do satélite NOAA-3. Nos dias 6 e 7 de outubro de 1975, a região esteve sujeita a uma linha de instabilidade muito pronunciada, e os valores barométricos baixaram para cerca de 1.000 milibares. O processo foi ativado pela alta temperatura reinante (28,8ºC), daí resultando o extraordinário desenvolvimento de nuvens de grande espessura e a violenta queda de granizo que se seguiu.

A melhor defesa

Muitos processos têm sido ensaiados para combater artificialmente o granizo. Um destes é o da nucleação artificial do cúmulo-nimbo no nível adequado, a fim de provocar precipitação antes da formação dos cristais de gelo que constituem o embrião dos grãos de granizo. Tem sido tentado, ainda, o bombardeio das nuvens por meio de explosivos transportados por foguetes, com base no princípio de desagregação do granizo graças às ondas de choque produzidas pela explosão. Este método foi abandonado ao constatar-se que a energia liberada pela explosão era muito pouco significativa em relação à energia contida na nuvem.

O único processo que parece ter alguma eficácia, segundo experiências feitas, seria a nucleação artificial da nuvem, a partir do solo, no momento adequado da evolução do cúmulo-nimbo, porém isso exigiria uma rede de observação em permanente vigilância, com equipamentos distribuídos na área a ser defendida e preparados para entrar em funcionamento, o que, nas condições atuais da maioria dos países, é economicamente inviável. A proteção contra o granizo limita-se, portanto, a uma previsão bem-feita e a uma imediata advertência dos serviços meteorológicos às áreas ameaçadas, a fim de as plantações serem convenientemente resguardadas, na medida do possível.

Um fenômeno como o que castigou o município de Atibaia em 1975 teria sido menos ruinoso para a economia local se a área pudesse ter sido previamente alertada. O meteorologista Rubens Junqueira Vilela, professor do Instituto Astronômico e Geofísico da USP, no artigo “Granizo pode ser evitado”, publicado na revista “Copercotia” de setembro de 1969, enumera algumas regras de previsão e orientação ao agricultor. São elas basicamente as duas seguintes:

1ª) Em dias de sol forte, quando os cúmulos-nimbos começam a se formar, depois das 10 horas, em menor número, cobrindo menos da metade do céu, e com bases acima de 1.000 metros, atingindo grande extensão vertical, são prováveis as granizadas entre 14 e 17 horas.

2ª) Após dois ou três dias de calor intenso, se a direção do vento sofrer um giro anti-horário, passando de noroeste para sudoeste, isso indicaria entrada de frente fria, geralmente precedida por turbulência atmosférica e possíveis saraivadas.

Além dessas normas práticas e das informações de que dispomos apontando as áreas mais elevadas e os meses de primavera como mais sujeitos ao granizo, ainda não contamos com indicadores mais seguros para orientar um procedimento sistemático de defesa. Recomenda-se, pois, um tratamento estatístico minucioso, a fim de se obterem índices confiáveis que auxiliem os trabalhos de previsão.

(Leia toda a notícia na Revista Criacionista impressa)

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