A Sociedade Criacionista Brasileira tem-se mantido atenta ao desenvolvimento da polêmica em torno da questão do ensino das doutrinas evolucionistas nas escolas, em vários países do mundo em que cada vez mais está sendo questionado o propalado aspecto científico dessas doutrinas.
Recentemente este assunto foi trazido à baila no contexto da reforma educacional ocorrida na Itália, e temos a satisfação de apresentar a seguir o comentário feito a respeito, pelo nosso amigo Professor Fernando De Angelis, que, como criacionista italiano, nos apresenta importantes esclarecimentos sobre o que está acontecendo naquele país.
Desejamos expressar aqui nossos sinceros agradecimentos ao Professor Fernando De Angelis por mais esta colaboração prestada à nossa Sociedade.
OBSOLESCÊNCIA DO EVOLUCIONISMO NA ESCOLA ITALIANA
Fernando De Angelis
Nos novos programas para os oito primeiros anos escolares, a Ministra da Educação Letizia Moratti eliminou o Evolucionismo dos currículos de Ciências Naturais. Resultou disso uma conseqüência indireta nos currículos de História, nos quais, sem dúvida, o Evolucionismo foi também relegado aos mitos e lendas da Pré-História. Trata-se de um procedimento inédito que, entretanto, é conseqüência de um crescente anti-darwinismo iniciado na Itália há pouco menos de vinte anos.
1. COMPARAÇÃO ENTRE OS PROGRAMAS ANTIGOS E NOVOS
Com a Circular nº 29 de 5 de fevereiro de 2004, a Ministra da Educação Letizia Moratti deu as necessárias diretrizes para que já no próximo ano letivo de 2004/2005 comecem a ser adotados os novos programas para as oito primeiras séries do ensino fundamental (cobrindo a faixa etária de 6 a 14 anos).
A reforma mantém a distinção entre as primeiras cinco séries e as três subseqüentes, porém agora vendo esses oito anos iniciais como um sistema único denominado “Primeiro Ciclo”, no qual os primeiros cinco anos receberam o novo nome de “Escola Primária” (ex “Escola Elementar”), enquanto os seguintes três anos receberam a nova denominação de “Escola Secundária de 1º Grau” (ex “Escola Média Inferior”).
Nos programas antigos, nas cinco primeiras séries não se falava explicitamente da Evolução, que era mencionada somente nas três últimas séries (“Escola Média Inferior”), em que, no programa de “Ciências Matemáticas, Químicas, Físicas e Naturais” era previso tratar da “Evolução da Terra” no tópico que abrangia a “Origem da Vida na Terra” Em outra parte era previsto tratar do tema “Estrutura, Funções e Evolução dos Seres Vivos” no tópico que abrangia a “Origem e Evolução Biológica e Cultural da Espécie Humana”, o que fazia vir à mente imediatamente os supostos ancestrais simiescos do Homem.
Nos novos programas não restam sequer traços de tudo isso, e o tópico das origens é abordado somente de passagem nos programas da segunda e terceira séries da “Escola Primária”, como introdução à abordagem posterior da História.
A formulação correspondente passou a ser a seguinte:
· A Terra antes do Homem e a experiência humana pré-histórica: o surgimento do Homem, os caçadores da época glacial, a revolução neolítica e a agricultura, o desenvolvimento do artesanato e das primeiras trocas comerciais.
· Passagem do Homem Pré-histórico ao Homem Histórico nas civilizações antigas.
· Mitos e lendas das origens.
É claro que estes tópicos poderão ainda ser tratados sob o prisma evolucionista, mas não de maneira obrigatória porque, por exemplo, fala-se de “Surgimento do Homem”, e não de “Evolução do Homem”.
O programa encerra-se então com o tópico “Mitos e Lendas das Origens”, que (embora não creiamos que o relato bíblico se enquadre nessa categoria) permite entretanto que se possa expor o conteúdo do livro de Gênesis.
A restrição, finalmente, do assunto das origens a um contexto pré-histórico e pré-científico, de qualquer modo contempla a tese criacionista que considera o Darwinismo (e de maneira mais geral o Evolucionismo) como uma fé não demonstrada, semelhantemente ao relato bíblico, que também não é passível de demonstração científica.
2. RETROSPECTO SOBRE A NOMEAÇÃO DA MINISTRA
Para alguns, a decisão da Ministra Moratti apresenta-se como “um relâmpago em céu sereno”, e de fato ninguém a esperava, embora existissem sinais que permitiriam prevê-la, e agora podemos enumerar alguns deles, relembrando que Moratti faz parte de um governo de centro-direita, é de orientação católica e é de Milão.
Certamente a Ministra Moratti não é “criacionista”, se por Criacionismo entendermos o movimento que se originou nos Estados Unidos, mas certamente é dela que partiu a contestação ao Evolucionismo e à sua formulação específica feita por Darwin. Nos Estados Unidos, o primeiro livro criacionista de grande sucesso data de 1961 (H. Morris, e John Whitcomb, “The Genesis Flood”) e um destaque do Criacionismo americano é o de ter conduzido suas argumentações críticas sobre bases racionais e científicas. É por isso que a sua influência pôde alcançar também pessoas que não têm idêntico perfil religioso. Este Criacionismo penetrou na Itália através de missionários evangélicos e encontrou eco sobretudo nessa esfera.
O Catolicismo, ao contrário, há tempos e repetidamente tem afirmado a aceitabilidade do Evolucionismo e do Darwinismo, porque não deu a eles uma interpretação que excluisse a intervenção de Deus. Apesar disso, dois cientistas italianos de formação católica, e de prestígio internacional (Sermonti e Zichichi) tomaram posição pública contra o Darwinismo (isto é, contra essa concepção específica do Evolucionismo), porém, como o Darwinismo e o Evolucionismo são percebidos como estreitamente ligados entre si, a sua crítica acabou atingindo também o Evolucionismo. Sermonti e Zichichi, porém, não são preconcebidamente contrários ao Evolucionismo, e certamente não propõem uma interpretação literal do livro de Gênesis.
Giuseppe Sermonti trabalha em Genética, e tornou-se célebre em 1980 quando, juntamente com o paleontólogo Roberto Fondi, publicou o livro “Depois de Darwin”. Sermonti colabora com a Academia Pontifícia de Ciências, e recentemente renovou sua oposição ao Darwinismo com a publicação de outro livro com o título inequívoco “Esquecer-se de Darwin”.
Antonino Zichichi é um dos maiores físicos vivos, e preside a Federação Mundial dos Cientistas (“World Federation of Scientists”). Em dois de seus livros mais recentes, sustenta que o Darwinismo não tem qualquer base científica (“Porque creio nAquele que fez o mundo”, 1999, e “Galileo, Homem Completo”, 2001). Creio que a sua tomada de posição bastante nítida sobre o assunto, e a estima que também goza na Itália, tenham sido determinantes na orientação tomada pela Ministra Moratti.
Entretanto, há ainda uma outra influência, especificamente milanesa, que não deve ser descurada. Ela tem a ver com a publicação do livro de Maurizio Blondet “O Passarossauro e Outros Animais”, em 2002. Blondet é um dos mais respeitados jornalistas do “L’Avvenire”, o jornal dos bispos italianos, que em seu livro não só defende o Criacionismo e os criacionistas, mas realmente mantém-se distante da posição oficial do Vaticano.
Este livro mostrou-se muito convincente para um jovem expoente da direita milanesa, Fabrizio Fratus, que se interessou pelo assunto, e manteve contato com os criacionistas italianos (particularmente com o “site” www.creazionismo.org, presidido por Romano Ricci), estimulando importantes setores da centro-direita milanesa até a organizar uma “semana antievolucionista” realizada em Milão em fevereiro de 2003.
Letizia Moratti destaca-se por ser uma administradora, não sendo por isso sujeita a fáceis entusiasmos, mas uma demonstração desse tipo, realizada em sua cidade, e organizada por expoentes políticos de suas próprias fileiras, inevitavelmente constituiu para ela mais um um elemento de reflexão.
Em conclusão, a decisão da Ministra italiana de dar um passo contra o Evolucionismo, por constituir um fato inesperado, enquadra-se principalmente na crise geral do Darwinismo, que em todo o mundo está sendo posto em discussão.
ADENDO
Após termos recebido em primeira mão do Prof. De Angelis a notícia veiculada acima, recebemos uma complementação enviada por ele dando ciência do desenvolvimento da reforma do ensino na Itália a partir das reações orquestradas contra a supressão da explicitação de Darwin nos currículos de ciências. Podemos ter uma pálida idéia da comoção que a reforma iniciada pela Ministra Moratti suscitou nos meios tradicionais, pela imensa onda que se levantou, comandada especialmente pelos meios de comunicação, como resumido a seguir a partir de notícias da imprensa italiana.
A notícia geral enviada pelo Prof. De Angelis tem o título “O Ensino de Darwin nos Primeiros Oito Anos Escolares”, e é de autoria de Mihael Giorgiev, redator-chefe do “site” www.creazionismo.org. Nela, o articulista faz menção inicialmente à composição de uma comissão de alto nível, pela Ministra da Educação, para se manifestar a respeito do ensino do evolucionismo nas escolas. A comissão é presidida por Rita Levi Montalcini, laureada com o Prêmio Nobel de Medicina, e tem mais três membros: Carlo Rubia, Prêmio Nobel de Física; Roberto Clombo, docente de Neurobiologia e Genética na Pontifícia Universidade Católica; e Vittorio Sgaramella, professor de Biologia Molecular na Universidade da Calábria.
A movimentação em torno da defesa do ensino do evolucionismo nas escolas partiu do jornal La Repubblica, que não só acionou grande número de expressivos nomes da ciência italiana (incluindo outro laureado com o Prêmio Nobel em Medicina, Renato Dulbecco), como também colheu em poucos dias mais de 47 mil assinaturas apelando a favor do ensino de Darwin nas escolas. Dados sobre essa manifestação podem ser assessados no “site” http://www.repubblica.it/2004/appelli/scuola2/index.html. Do apelo resume-se o seguinte:
“A exclusão do ensino da teoria da evolução para jovens de 13 a 14 anos representa uma limitação cultural e o desprezo pelo desenvolvimento da curiosidade científica e pela abertura mental. Por outro lado, é justo explicar que o Darwinismo e as teorias que dele derivaram apresentam lacunas e apresentam problemas insolúveis, mas não se pode passar por cima do elo que liga o passado ao presente de nossa espécie. Solicitamos, assim, ao Ministério da Educação, que reveja os programas da Escola Média para evitar um esquecimento danoso para a cultura científica das novas gerações.”
Paralelamente, o jornal La Repubblica apresenta a entrevista concedida por Renato Dulbecco à reporter Elena Dusi, da qual ressaltamos alguns trechos:
· Pode-se estudar Darwin nos Liceus e nas Universidades. Por que, então, conforme o Sr., é grave eliminá-lo dos programas do ensino médio?
“Porque os jovens que estão em fase de crescimento deveriam conquistar a abertura mental mais ampla possível. É muito triste que uma das hipóteses sobre o surgimento da vida na Terra simplesmente seja eliminada dos programas escolares. Ela pode ser criticada por quem não estiver de acordo: a teoria da evolução de Darwin e as idéias que dela derivaram formam um sistema que sem dúvida não é perfeito. Existem pontos obscuros sobre as fases intermediárias, não facilmente decifráveis. Entretanto, trata-se de limitações que superaremos provavelmente no futuro, à medida que ampliarmos nosso conhecimento.”
· É justo apresentar a teoria do Criacionismo aos jovens estudantes?
“Certamente. Nenhuma hipótese deve ser descartada a priori. Nem mesmo a hipótese Criacionista, a qual, porém, é completamente estranha aos critérios do pensamento científico. Para poder ter sua concepção própria, os jovens necessitam examinar todas as opções. Posteriormente será a vida que lhes fará decidir a adotar a racionalidade da teoria da evolução ou outro âmbito como o das hipóteses religiosas sobre a origem do mundo.”
· Podem existir hoje bons biólogos e bons médicos sem o estudo da teoria da evolução?
“… Certamente, pode-se aprender todos os elementos para o conhecimento do homem e dos outros seres viventes também sem estudar Darwin. Mas seria mais problemática a explicação de quais são as conexões entre as várias espécies…”
O periódico La Repubblica de 29 de abril anunciou em sua primeira página a “Evolução da Ministra”, com o título “Moratti muda de idéia sobre Darwin: será estudado na Escola Elementar”. Entretanto, para saber mais sobre a “Evolução da Ministra” (que já havia respondido ao apelo de La Repubblica em 24 de abril, convém consultar outro periódico também de 29 de abril – Il Giornale:
A discussão da teoria darwinista, fundamento da moderna ciência biológica, está assegurada na formação de todos os jovens dos 6 aos 18 anos, segundo critérios didáticos graduais.O objetivo primeiro da reforma é exatamente o de criar consciência livre, desenvolvendo o senso crítico dos alunos, desde os primeiros anos dos currículos escolares. Desejamos assegurar aos nossos jovens, sob a guia dos docentes, uma pluralidade de fontes e de opiniões, de maneira que, através do diálogo possam formar uma consciência crítica própria. Desejamos estimular todos os alunos na busca pelo conhecimento, desde os menores até os das escolas superiores, de modo que possam formar sua personalidade responsável baseada em princípios, valores, estilos de vida e comportamentos conscientes, fundados sobre o respeito aos outros, e abertos ao diálogo.
Neste ínterim, “evoluiu” não só a posição da Ministra, mas também a dos defensores de Darwin. Após a manifestação de Dulbecco, foi divulgada a opinião de Umberto Veronesi, segundo o qual “o Darwinismo é um hábito mental que deve ser adquirido o mais precocemente possível, porque entre os 13 e 14 anos os jovens estão desenvolvendo, ou já desenvolveram, um modo próprio de pensar e de viver”.
De fato, estamos de acordo com Veronese, de que o Darwinismo não é ciência, mas um hábito mental. E aí está todo o problema! Exatamente por isso, desejamos que nas aulas de ciências se ensine ciências a nossos filhos, dentro dos seus limites, da maneira como formulado no apelo dos cientistas. Entendemos que o papel da escola é o de preparar os jovens para a escolha crítica e para a consciência do hábito mental, e não o de impor-lhes o hábito escolhido pela cultura dominante.