Encantados com as Maravilhas do Céu, Cientistas se Aproximam da Religião
Dr. Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Astrônomo, classificado entre as 130 personalidades que fizeram a história do País nos últimos 60 anos, doutor em ciências pela Universidade de Paris.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão foi classificado pela edição especial do Almanaque Abril “Brasil em Dia”, 1991, entre as 130 personalidades que fizeram a história do País nos últimos 60 anos. Ele é doutor em Ciências pela Universidade de Paris e faz parte de associações de astronomia na França e Inglaterra.
É autor do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica (Editora Nova Fronteira) e de mais outros 50 livros sobre o assunto. Ele fundou e dirigiu o Museu de Astronomia e Ciências Afins. Suas principais contribuições foram efetuadas no campo das estrelas duplas, cometas, asteróides e estudos das técnicas de astronomia fotográfica.
Esses trabalhos estão documentados em revistas estrangeiras e especializadas. Ele foi o primeiro brasileiro a ter um asteróide com seu nome é o asteróide 2590, descoberto em 22 de maio de 1980 e batizado com o nome Mourão.
O astrônomo Ronaldo Mourão também é bastante conhecido do público brasileiro, através de sua participação na mídia. Ele recebeu a reportagem de Sinais dos Tempos em sua residência, no Rio de Janeiro.
Sinais: O que o levou a se interessar por Astronomia?
Ronaldo Mourão: Desde criança tenho tido interesse por tudo o que se refere a pesquisas e ciências. Porém, dois fatos me despertaram para a astronomia: as descrições que minha mãe fazia do cometa Halley, cuja aparição ela havia assistido em 1910; e ter avistado pela primeira vez um cometa, com a ajuda de meu pai, aos meus 12 anos de idade. Também me interessava por medicina porque meu pai era médico, e havia muitos livros de ciências em casa. Por gostar de ler livros de anatomia, ele achava que eu seria médico. Mais tarde, quando passei a ter contato com a física e a química, o meu interesse pela astronomia se revelou novamente, assim como pela matemática, que é sua ferramenta fundamental.
Sinais: O que mais lhe impressiona no céu?
Ronaldo Mourão: É difícil responder, porque tudo o que se observa no céu é bonito. Aprecio a Caixa de Jóias na constelação Cruzeiro do Sul, as fotos recentes da colisão de galáxias … Na observação astronômica, o que mais me impressionou, foram as estrelas duplas. São sistemas de duas estrelas que giram uma em torno da outra e que permitem determinar a massa das estrelas. Fiz vários estudos e observei vários conjuntos de estrelas. Ainda tenho observações não publicadas sobre as estrelas duplas e os sistemas múltiplos de estrelas. Por exemplo, acho muito bonito o Trapézio junto à nebulosa de Órion, que é um nascedouro de estrelas.
Sinais: Que noções um leigo deveria ter para observar melhor o céu?
Ronaldo Mourão: Deveria ter uma ideia das distâncias e a definição de tempo dentro da astronomia. Também é importante o conhecimento das constelações para saber se situar dentro do nosso cosmo e localizar o seu endereço a partir da Terra.
Sinais: O Universo é um mundo de caos ou de ordem?
Ronaldo Mourão: De ambos. Geralmente as coisas surgem de um caos que até certo ponto é organizado, porque ele vai determinar exatamente a organização que tem o sistema. O início do sistema solar deve ter sido a partir de uma nebulosa que era um aparente caos. Surgem depois as ordens das estrelas – ajustadas em suas posições -, e os planetas com órbitas bem determinadas. Todas as galáxias têm uma certa ordem, uma hierarquia. Juntam-se em grupos e existem os aglomerados e superaglomerados de galáxias. Assim, primeiro vem a Terra, que é um planeta dentro do sistema solar, além do nosso modelo há sistemas de estrelas com duas ou várias estrelas, e as galáxias que são sistemas imensos de 200 milhões de estrelas, e ainda existem outros milhões de galáxias. Há uma estrutura, uma organização que coexiste com um certo caos, que é exatamente o caos criador.
Sinais: Como o senhor define a teoria do Big Bang?
Ronaldo Mourão: É a teoria de que o Universo surgiu de um átomo primitivo, que teria explodido dando origem a todo esse sistema que conhecemos. Mas não penso assim. Acho que o Big Bang deve ser visto como um fenômeno localizado porque a gente não tem a visão total do Universo. Para mim o Universo não teria nem começo nem fim. Há etapas de criações que a gente conhece, mas o Universo teria sempre existido, sem começo e nem fim. É um enigma para a ciência. À medida que a tecnologia avança, o Universo se torna mais amplo. Na época dos gregos havia uma idéia bem limitada do Universo. Depois, com a luneta, veio a primeira grande revolução. Foi descoberta a galáxia, a Via Láctea. Mais adiante, vieram os telescópios de um metro, que eram uma evolução do telescópio de Galileu, e, finalmente, a maior de todas as revoluções que é o telescópio espacial Hubble. Com ele saímos do oceano gasoso, em que vivemos, e passamos a observar fora da atmosfera. Entramos em uma nova etapa da astronomia.
Sinais: Há evidências, no Universo, de uma inteligência superior?
Ronaldo Mourão: Não há dúvida de que há alguma coisa que organiza tudo e dá permissão. É aquela idéia que se tem da anti-entropia. A gente diz que quando as coisas vão se organizando a tendência é o desaparecimento. E acontece alguma coisa que vai se organizando, e a evolução se torna maior. Então há uma evidência lógica de que algo está organizando tudo isso. Alguns dizem que seria Deus; para outros, uma energia. Tenho a impressão de que cada religião cria a sua visão. Mas, sem dúvida nenhuma, existe algo que determina a vida e que rege o Universo. Aquele caos inicial se transforma em alguma coisa e, lá dentro, existe a ação de algum ente superior organizando aquilo.
Sinais: Parece que está aumentando o número de astrofísicos que acreditam em um Deus criador.
Ronaldo Mourão: Existe no momento um maior debate entre fé e religião, e um entendimento da parte dos homens da ciência de respeitar esse diálogo para que não se transforme em um diálogo de oposições. É mais um diálogo de compreensão, porque no fundo, dentro da ciência, há questões irrespondíveis que ser ão sempre uma incógnita e que a religião dá uma resposta muito mais viável.
Houve no passado a tendência de pensar que religião e ciência não poderiam coexistir, o que é um fato totalmente errôneo. Acho que cada um tem que respeitar os limites do outro, o seu modo de ver. Não há mais aquela oposição que havia, que foi muito utilizada no caso de Galileu, que no fundo era um religioso. O próprio Giordano Bruno, que acabou queimado na fogueira, também era religioso. Aliás, tinha uma visão muito maior, ele achava que Deus não criaria o Universo só para os homens, a obra de Deus foi criada para todos, mas sua opinião ia contra a visão da igreja oficial da época.
Sinais: Por que a igreja errou com Galileu?
Ronaldo Mourão: A igreja errou porque associou-se à ciência oficial. E a ciência está alterando a cada momento; não é uma coisa definitiva. Ela avança. Foi um grande erro a Igreja Católica se associar com aquilo que ela achava que era a ciência boa e não era.
Sinais: Por que os cientistas da biologia demonstram menos fé em Deus do que os da astronomia?
Ronaldo Mourão: Há biologistas que acreditam … A explicação talvez é que eles, por terem mais contato com a vida e com a morte, acabem sofrendo mais da descrença. Os astrônomos, por sua vez, vivem numa esfera mais etérea.
Sinais: O senhor acredita existir vida em outros mundos?
Ronaldo Mourão: Não tenho dúvida de que não somos os únicos no Universo. Existe vida em outros planetas, e essa vida pode ser mais avançada que a nossa. O problema atual é que não dispomos de meios tecnológicos para fazer uma comunicação e viagens rápidas. Por exemplo, a gente está emitindo uma mensagem de rádio para detectar ou escutar sinais, mas pode ser que estejamos usando uma tecnologia totalmente defasada. É difícil a comunicação, mas um dia teremos a comprovação.
Sinais: E o que dizer dos OVNIs?
Ronaldo Mourão: Existe nas pessoas que vêem um objeto não-identificado um desejo incontido em identificá-lo como sinal de extra-terrestre. Isso ocorre por causa do sentimento que nutrimos de achar que não somos os únicos no Universo. É uma espécie de rejeição à solidão. Por isso as pessoas projetam a existência de uma vida ainda não comprovada. Não há nenhum OVNI nem objeto extra-terrestre que comprove. Costumo dizer que as pessoas que “viajam” para outros planetas nunca trouxeram nada, nem sinal de que eles realmente viajaram. Quem viaja para um outro local, sempre traz no bolso alguma coisa, nem que seja acidentalmente.
Sinais: Qual a diferença entre astronomia e astrologia?
Ronaldo Mourão: Astronomia é uma ciência. Usa o método científico e tem uma dedução. Por sua vez, a astrologia tenta usar toda a infra-estrutura da astronomia para dar uma base científica a algo que é meramente uma pseudo-ciência. Ela divulga informações que não têm muito sentido. Não é o nascimento numa certa época que vai nos colocar em determinado signo, mas o que realmente influencia o homem é a sua origem genética ou o meio em que ele vive.
Sinais: Por que a astrologia não é confiável?
Ronaldo Mourão: A astrologia surgiu como uma conseqüência da associação dos fenômenos que ocorriam no céu, porque o céu na Antiguidade era mais marcado pelas constelações. O ano era vago, não havia os calendários fixos, as datas e as estações se deslocavam. Estrelas como as Plêiades, Sírius e Antares é que determinavam a época de mudanças. Os antigos conheciam muito as constelações e algumas delas receberam o nome de signos porque era por onde o Sol se deslocava. Assim havia a associação das estações do ano com a vegetação, e se fez uma projeção disso em relação ao homem, o que é falso, porque o homem tem determinação. Possuímos autodeterminação, uma formação genética, e isso altera tudo. Logo, não podemos ser influenciados por um signo ou uma constelação. Estamos acima disso.
Sinais: Quais as influências da Lua sobre a Terra?
Ronaldo Mourão: A Lua tem uma grande influência sobre a parte líquida da Terra. Agora, a influência da Lua sobre o homem não é tão forte como as pessoas querem atribuir, porque somos muito complexos no nosso comportamento.
Sinais: Em que poderá beneficiar a descoberta de água na Lua?
Ronaldo Mourão: A descoberta de água na Lua faz parte da ideia da conquista espacial. Com a água se torna mais fácil a colonização da Lua, porque ela é a primeira etapa da grande conquista que o homem pretende um dia realizar, que é a conquista do sistema solar e depois da própria galáxia. É bom pensar que vivemos numa época de grandes avanços científicos, mas nada garante que estamos na última etapa. Poderá haver uma outra etapa, um avanço maior da ciência.
Sinais: Fale sobre descobertas mais recentes da astronomia.
Ronaldo Mourão: Se não fosse o conhecimento de calcular as órbitas com precisão não teríamos telescópios e satélites de telecomunicação. Eles estão alterando totalmente antigos conceitos e criando uma nova visão do Universo. A globalização foi gerada a partir de 1957, com os satélites espaciais. Graças à pesquisa espacial, temos hoje contato com qualquer coisa que acontece no mundo.
Sinais: Quais as maiores conquistas do telescópio espacial Hubble?
Ronaldo Mourão: O Hubble está descobrindo galáxias em colisão, que entram em choque entre si, provocando uma enorme interatividade e gerando a origem da vida e de tudo mais. Acho que esse é o lado mais positivo, sem falar das belas fotografias de galáxias e nascedouros de estrelas na constelação de Órion. O Hubble deu uma nova dimensão à astronomia. Para mim, a astronomia tem duas grandes etapas: a descoberta da luneta e a atual utilização do Hubble.
Sinais: Existe realmente o perigo de a Terra ser atingida por asteróides?
Ronaldo Mourão: É uma coisa que pode vir a ocorrer em qualquer momento, principalmente se não houver vigilância e um controle maior dos objetos que existem em torno do cosmo. Por isso, quando se fala em ecologia, se deveria também analisar as ameaças do espaço exterior. Ocorre que, geralmente, só depois que esses objetos passam perto da gente, é que tomamos conhecimento de sua passagem. Nos Estados Unidos existe um projeto para a criação de vários observatórios ligados à pesquisa de objetos que podem vir a se chocar com a Terra.
Sinais: O que sabe a respeito do buraco negro na constelação de Órion?
Ronaldo Mourão: Os cientistas têm procurado encontrar o que poderiam ser alguns buracos negros que o Hubble tem fotografado. São imagens que passam a idéia de buraco negro pela velocidade rápida da matéria em torno desses pontos. A gente acha que os buracos negros existem, mas a comprovação não foi feita até agora porque é difícil determinar sua existência. Não se pode fotografá-los porque, conforme o nome diz, ele é escuro e absorve totalmente a luz. A dedução é feita de forma indireta, pela velocidade com que esses corpos são absorvidos. Essa é uma questão que ficará para o terceiro milênio, quando surgirão detectores de radiações gravitacionais.
Sinais: Por que a constelação de Órion é fascinante?
Ronaldo Mourão: O que mais fascina nela é a existência de alguns berçários de estrelas. Fotografaram-se algumas regiões de estrelas muito jovens, em formação. Fora disso, ela é uma das mais belas nebulosas e mais belas constelações do céu. Ali perto das Três Marias está a nebulosa de Órion, onde existe o Trapézio de Órion que é um conjunto de estrelas múltiplas e nesse conjunto existe um berçário de estrelas.
Sinais: Quais os mistérios que a astronomia ainda não desvendou?
Ronaldo Mourão: O maior mistério é a origem do Universo. Como ele foi criado? Como apareceu? Esse é o grande enigma da astronomia, que o homem tenta compreender mas definitivamente ainda não sabe.
Sinais: O senhor admite a existência de outros universos além do Universo?
Ronaldo Mourão: É possível que existam outros universos além do nosso. O problema é que a gente não consegue observá-los por falta de meios tecnológicos.
Entrevista publicada na Revista Sinais dos Tempos de julho/98, e efetuada pelo Editor Paulo Pinheiro da Casa Publicadora Brasileira.
Observação dos Editores: Sugerimos a leitura da notícia “Quem inventou o telescópio”, publicada no “The Biblical Astronomer”, Vol. 9, número 89, Verão de 1999.
Entrevista publicada em julho de 1998 na revista