A revista “Origins and Design” publicada pela Access Research Network, em seu número 38 (vol. 20, nº 1), publicou a revisão crítica do livro de autoria de Leonard R. Brand, intitulado “Faith, Reason, and Earth History: A Paradigm of Earth and Biological Origins by Intelligent Design”, feita por Kurt P. Wise.
O livro em questão está em fase final de tradução para o Português, como iniciativa da Universidade de Santo Amaro, e deverá ser lançado por ocasião do Encontro Criacionista a ser realizado no mês de janeiro de 2002 no Centro Universitário Adventista, campus de São Paulo, a respeito do qual são dadas notícias neste mesmo número da Folha Criacionista..
A Sociedade Criacionista Brasileira, com a intenção de contribuir para a divulgação do livro do Dr. Leonard R. Brand, tomou a iniciativa de publicar, neste número de setembro de 2001 da sua Folha Criacionista, aquela revisão crítica efetuada por Kurt P. Wise, que sem dúvida é altamente elogiosa à obra, e servirá para incentivar a sua aquisição pelos interessados no assunto.
Deve ser reconhecido, mesmo pelos defensores, como eu, do ponto de vista criacionista que propõe uma criação recente para a Terra, que obras com esta perspectiva, tipicamente, são marcadas por uma filosofia da ciência antiquada, um fraco entendimento da teoria da evolução e uma infeliz fixação destrutiva. O livro de Brand, entretanto, é salutarmente diferente. Ele se posiciona dentro de uma filosofia da ciência razoável, mostra um bom entendimento da teoria da evolução, e humildemente inicia a construção de um modelo da história da Terra consistente com a sua compreensão da Bíblia. O livro demonstra um novo e mais sofisticado estágio do pensamento criacionista.
Filosofia da Ciência
Brand dedica os primeiros seis capítulos de seu livro a questões relativas à filosofia da ciência. A maioria das obras criacionistas, especialmente em nível de divulgação, define ciência como o estudo do que é diretamente observável e repetitível. O ponto fraco dessa definição é que ela nega o status de ciência a qualquer ciência histórica, como a paleontologia, e grande parte da astronomia. (Ela nega mesmo o status científico à arqueologia, retirando virtualmente qualquer apoio científico para o relato bíblico). Mais perturbador, ainda, essa definição estigmatiza as próprias teorias da criação como sendo não científicas. Os criacionistas que defendem uma criação recente para a Terra também tendem a defender as definições positivistas lógicas de ciência encontradas comumente nos livros textos Muitos apelam para o critério da falseabilidade de Karl Popper para negar que a evolução seja genuinamente científica.
Brand não se torna presa de qualquer dessas definições incorretas de ciência. De fato, ele despende um tempo considerável para mostrar como a definição positivista lógica de ciência é inadequada para descrever a maneira pela qual atualmente a ciência é desenvolvida. Entre outras coisas, repetidamente ele indica a importância da componente humana na investigação científica. Ele argumenta também que a dimensão sociológica advogada por Thomas Kuhn (1) é parte importante da ciência. Brand usa o critério da falseabilidade de Popper para identificar somente o que deveria caracterizar uma boa teoria científica, e nunca o que deve caracterizar obrigatoriamente uma teoria para qualificá-la como ciência. Embora eu possa discordar de Brand por colocar menor importância na falseabilidade (ela não constitui um padrão absoluto; na prática ela somente pode funcionar na escolha da melhor entre duas teorias), Brand deve ser cumprimentado por preocupar-se para corrigir um erro comum nos escritos criacionistas.
A despeito da sofisticação filosófica, de maneira nenhuma Brand sepulta o leitor sob o jargão da filosofia. De uma maneira agradável, paciente e consistentemente inteligível, ele guia o leitor através da árdua tarefa de dar significado à discussão, freqüentemente confusa, girando em torno da filosofia da ciência. Além do mais, os seus exemplos gráficos atraem o leitor com o simples prazer de estar fazendo ciência. (Brand é um profissional dedicado ao estudo dos mamíferos, tendo desenvolvido a maior parte de suas atividades de pesquisa com os esquilos listados americanos; desta forma, muitos exemplos em todo o livro giram em torno dessa pequena criatura tão fortemente atraente).
A relação entre a Ciência e a Bíblia
O Capítulo 6 apresenta uma breve vista da receita de Brand para a adequada interação entre a Ciência e a Bíblia. Ele não propõe nem a abordagem das “áreas distintas” dos criacionistas mais antigos, na qual as duas áreas não se sobrepõem, nem a abordagem típica dos criacionistas mais recentes, de “A Bíblia acima da Ciência”, na qual o entendimento do intérprete das Escrituras sempre supera a Ciência. De fato, Brand descreve uma interação estudada e cuidadosa, na qual a Bíblia aduz informações à Ciência, e esta traz informações para a nossa compreensão da Bíblia. Infelizmente, este capítulo pode induzir alguns leitores a entendê-lo erradamente, como se estivesse dizendo que a Ciência assume uma posição mais elevada do que a Bíblia; porém, ao ler o restante do livro, o leitor honesto concluirá que não é esta a posição de Brand. Pelo contrário, a sua posição é a de que sempre que a Bíblia alegue autoridade sobre um assunto, a Bíblia supera a Ciência. Isto é, se depois de ter examinado cuidadosamente nosso entendimento da Bíblia, acreditarmos que ela faz uma alegação que contrarie a Ciência, então é nossa interpretação da Ciência que deve ser alterada, e não a nossa interpretação da Bíblia.
Em assuntos sobre os quais a Bíblia não alegue tal autoridade (por exemplo, casos em que o relato bíblico não seja claro, ou que talvez permita várias possibilidades), a Ciência poderia ser chamada para definir o assunto, validamente. De acordo com Gary Phillips, professor de teologia no Bryan College, evidências extrabíblicas (como por exemplo, científicas) podem nos permitir a escolha entre leituras naturais da Bíblia, mas não nos podem forçar a reinterpretar a Bíblia, ou a adotar uma leitura não natural.
O modelo de Brand para a interação entre a Bíblia e a Ciência é exemplificado no Capítulo 8, na sua discussão sobre as “espécies criadas”. Embora alguns possam ler Gênesis como indicando que Deus criou todas as espécies (no sentido biológico atual) separadamente, um reexame do texto à luz da hibridização e de outros dados microevolutivos apoia a alegação de que Deus criou todas as espécies separadamente – não necessariamente as espécies no sentido biológico atual. A Bíblia permite que as espécies criadas possam constituir uma categoria superior à das espécies no sentido biológico atual. Nesse caso, os dados físicos permitem a escolha de uma alternativa, dentro ainda da leitura natural do texto bíblico. Por outro lado, como a Bíblia claramente alega que existem espécies criadas separadamente, Brand rejeita a tese evolucionista de que todos os organismos são relacionados geneticamente, apesar das evidências que poderiam ser trazidas a favor dessa tese.
Brand também provê valiosas sugestões sobre o que deveria ser uma ética cristã da Ciência. “Devemos ser honestos quanto às incertezas dos dados”, escreve ele, “e cuidadosos para distinguir entre dados e sua interpretação. Devemos abordar a questão com humildade e sem pré-julgamento, mesmo que os dados apontem para dimensões da realidade além de nosso entendimento usual. Acima de tudo, é essencial que tratemos com respeito uns aos outros”. Brand observa sua ética própria ao longo de todo o livro, discutindo consistentemente a debilidade e o caráter de tentativa de cada teoria por ele proposta, com humildade e sem pré-julgamento. A frase “mais pesquisa é necessária quanto a este ponto” é repetida freqüentemente em todo o livro. Brand também é honesto na avaliação de modelos alternativos e na verificação de sua força. “Sugiro que, no momento, o naturalismo tem melhor resposta para alguns dados”, é o que ele declara (p. 74).
Brand trata também com respeito os evolucionistas, observando que “às vezes os cientistas são pintados como sendo muito burros por crerem na evolução. Esta abordagem não é nem verdadeira, nem construtiva. A evolução não é uma teoria para ser ridicularizada. Quem tiver domínio sobre os dados deve fazer bom uso deles” (p. 149). Brand incita os criacionistas a se absterem de tentar destruir o evolucionismo, e a “comportarem-se eles mesmos como cientistas genuínos, envolvendo-se ativamente na pesquisa. É melhor desenvolver um paradigma alternativo do que meramente ridicularizar a teoria dos outros” (p. 76). E termina afirmando que “Vejo razões para crer que, se confiarmos n’Ele, essa crença nos ajudará a sermos bons cientistas” (p. 318).
Em todos os âmbitos do debate sobre as origens, a frase mais difícil para ser dita é Eu não sei. “Gostamos de ter respostas para tudo”, observa Brand (pp. 317-318), “porém não temos respostas para todas as questões relacionadas com a História da Terra. Seria muito melhor reconhecer que a limitação das evidências disponíveis e do tempo que temos para pesquisar essas questões torna irreal esperar respostas científicas para todas as nossas perguntas no futuro”. Infelizmente, a exigência do público cristão para obter respostas, e o desejo dos divulgadores para prover as respostas, têm incentivado um trabalho pouco meritório por parte dos criacionistas. Às vezes idéias têm sido aceitas e divulgadas antes de terem sido adequadamente submetidas à crítica dos editores de literatura científica. Teríamos uma literatura criacionista mais exígua, porém de melhor qualidade, se o público se recusasse a satisfazer-se com qualquer coisa que não fosse somente verdade solidamente fundamentada.
Intervencionismo e Criacionismo
O modelo de Brand (que ele espera tornar-se um paradigma para a pesquisa, à la Thomas Kuhn) não é referido como um modelo “da criação”, mas como um modelo de “intervenção informada”, frase esta emprestada de Thaxton (2). Ele evita o controvertido termo “criação”, como Wendell Bird com o seu modelo de “aparecimento abrupto” (3), Walter ReMine com a sua “mensagem biótica” (4), e os advogados do Projeto Inteligente (por exemplo, Phillip Johnson (5) e Michael Behe). Não obstante, Brand difere significativamente desses outros autores, por adotar um modelo de intervenção informada que é “construído sobre o relato bíblico” (p. 84). Em contraste, os argumentos a favor do projeto oferecem pouco mais do que críticas negativas à evolução ateísta, e podem ser conciliados com um vasto espectro de visões de mundo que de outra maneira seriam incompatíveis (por exemplo, deísmo, panteísmo, politeísmo; ver Swanson, 1997 (6) para uma boa análise filosófico-teológica da teoria do projeto). O modelo de Brand, por outro lado, é positivo e específico, e com afinidades com o criacionismo que aceita a criação recente da Terra.
Os Capítulos 7-11 do livro discutem as teorias evolucionista e criacionista (intervencionista) da biologia. Brand destina os Capítulos 7 a 10 para uma revisão crítica das evidências a favor da abiogênese, da microevolução, da especiação, e da megaevolução, em cada caso reinterpretando as evidências à luz do seu modelo da criação. O Capítulo 7 contém um brevíssimo resumo que ele faz das críticas à teoria convencional da origem da vida, feitas por Thaxton (7), e Bradley e Thaxton (8). Brand argumenta que as dificuldades da abiogênese, combinadas com a abrangente complexidade da vida, fortemente implicam a intervenção informada na origem da vida. O Capítulo 8 revê as evidências a favor da microevolução e da especiação, concluindo que ambas ocorreram na história da Terra. “É importante lembrar”, escreve ele mais adiante no texto (p. 161), “que mesmo um intervencionista reconhece que a microevolução e uma certa dose de macroevolução realmente ocorrem”. (Infelizmente, Brand não cita nenhuma pesquisa “baraminológica”, ou outra relacionada com ela, que tenha sido desenvolvida recentemente (9-13), e que teriam proporcionado a ele bons exemplos, e reforçado as suas teses. Por exemplo, a ampla hibridização entre espécies biológicas, gêneros, e mesmo subfamílias dos anatídeos sugere que toda a família dos Anatidas (pato, cisne, ganso) pode ter sido uma espécie criada (14). O resumo feito por Brand das evidências a favor da megaevolução (Capítulo 9), embora breve, é excelente, e oferece uma maneira para a interpretação dessas evidências (Capítulo 10) sob uma perspectiva criacionista.
Os Capítulos 11 e 12 apresentam infelizmente uma interrupção no fluxo que vinha sendo desenvolvido no livro, talvez em parte porque ambos resultaram de modificações feitas em um artigo anterior de Brand, em co-autoria. Não obstante, essa inconveniência pode também ter resultado de problemas mais fundamentais de sua abordagem. No Capítulo 12, ele resume o modelo criacionista (intervencionista) da biologia; apesar do fato de que já anteriormente ele tivesse elaborado as evidências a favor da evolução, isso significa que ele preferiu continuar reinterpretando aquelas evidências consideradas e originalmente interpretadas dentro de um paradigma evolucionista (uma prática problemática comum na literatura criacionista, incluindo mesmo alguns de meus próprios artigos (15)).
A seu crédito Brand tem a compreensão do problema e a tentativa de reagrupamento e apresentação de um modelo criacionista positivo para a biologia, embora tivesse sido melhor partir desse ponto.
Criacionismo e Geologia
Os Capítulos 13-16 do livro tratam do confronto entre a geologia convencional e o catastrofismo. Embora não sendo geólogo, Brand convive com um grupo de geólogos bem experiente, na Universidade de Loma Linda e no “Geoscience Research Institute”. Ele tem participado das reuniões anuais da “Geological Society of America” e apresentado trabalhos no campo da tafonomia e da ictiologia de Coconino. Sua discussão dos temas geológicos aprecia tanto a força como a debilidade do modelo da criação.
Por exemplo, a tão discutida “Explosão do Cambriano não é um registro do primeiro aparecimento da vida – como muitos criacionistas incautamente sugerem a seus leitores ou ouvintes – mas sim dos primeiros soterramentos durante uma catástrofe” (p. 172). Além disso, a datação radiométrica, embora não sendo uma metodologia à toda prova, ainda constitui a maior evidência a favor da grande antigüidade das formações fossilíferas” (p. 265). Brand aceita um dilúvio universal no passado recente (isto é, há milhares de anos), mas considera também uma Terra ante-diulviana (talvez com bilhões de anos – pp. 269-270). No entanto, ele não é dogmático, reconhecendo não ter suficiente experiência em Geologia para ponderar e escolher dentre milhares de interpretações dos primeiros capítulos de Gênesis.
Conclusão
O livro de Brand traz uma substancial contribuição à literatura criacionista. Ele é o livro mais sofisticado filosoficamente sobre o assunto, e uma leitura indispensável para qualquer pessoa interessada na controvérsia sobre as origens e o criacionismo.
(Leia todo o artigo na Folha Criacionista impressa)