No periódico “Notícias FAPESP”, de julho de 1998, editado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo, foi noticiada a publicação do livro “A Protogaea de G. W. Leibnitz (1794)”, em tradução efetuada por Nelson Papavero e colaboradores, com o apoio da FAPESP. A notícia apresenta alguns destaques que não deixam de ser interessantes para nós, hoje, mais de duzentos anos depois, após o surgimento do darwinismo e sua aceitação generalizada como explicação para a origem das espécies. Aliás, o livro de Leibnitz, publicado pela primeira vez após a sua morte, tinha como subtítulo “Uma Teoria sobre a Evolução da Terra e a Origem dos Fósseis”
Gottfried Wilhelm Leibnitz (1638-1686) destacou-se como o fundador do cálculo infinetesimal, independentemente de Newton, da teoria das mônadas, e formulador de um modelo teórico precursor de alguns modernos sistemas de computação. Foi ele um dos pensadores mais profícuos da humanidade.
Em vida, Leibnitz publicou apenas um resumo de suas idéias sobre o passado da Terra, em 1693, na “Acta Eruditorium”, primeiro periódico científico alemão, cuja criação foi por ele sugerida, tendo em vista proporcionar na Alemanha algo semelhante ao que já existia em outros países, como na França o “Journal des Savantes”, e na Inglaterra os “Proceedings of the Royal Society”.
O que pensava Leibnitz sobre a história geológica da Terra e os fósseis, no final do século 17 e início do 18 (época em que também viveu Sir Isaac Newton, cujos trabalhos sobre o cálculo infinitesimal rivalizaram com os de Leibnitz)?
A “Protogaea”, escrita originalmente em Latim, faz parte do projeto não finalizado de Leibnitz de escrever uma história universal. Boa parte das informações que utilizou para escrevê-la, obteve ele no período em que trabalhou como engenheiro de minas na região de Harz, na Alemanha, e de suas observações feitas nas numerosas viagens que empreendeu durante toda a sua vida, como jurista, historiador, emissário político, e como cientista (melhor diríamos, como “naturalista”).
A edição da “Protogaea”, ora feita com o auxílio da FAPESP, em sua tradução para o Português, além de apresentar em nossa língua as teorias e interpretações geológicas e paleontológicas de Leibnitz, possibilita-nos uma visão panorâmica do desenvolvimento das idéias naturalistas desde aquela época.
A respeito do dilúvio, no capítulo que trata de “Onde estava a água que cobriu a Terra, e o que aconteceu com ela”, Leibnitz apresenta uma explicação sobre de onde teria vindo a água que teria coberto toda a superfície do planeta durante o dilúvio universal. Após descartar possíveis causas, inclusive externas, como a passagem próxima de um cometa, ou a aproximação da Lua, que teriam feito as águas subirem, considera “admissível que, ao romper-se a crosta da Terra onde era oferecida menor resistência, massas enormes se arrojaram das próprias profundezas onde os mares já haviam sido recebidos, até que, através de novas subsidências, acharam um acesso ao Tártaro, abandonando os espaços que hoje vemos a seco”.
Um exemplo das tentativas de Leibnitz para apresentar uma explicação “científica” sobre os fósseis, está no capítulo em que fala do unicórnio, considerando os achados supostamente tidos como chifres do ser mitológico provenientes de peixes do Atlântico Norte. “Na verdade, tratava-se de defesas de mamutes, ou então chifres de rinocerontes” (!).
Interessante também é o seu ceticismo quanto à possível evolução das espécies a partir de seres marinhos: “Existem, não ignoro, os que levam a capacidade de conjecturar ao ponto de pensar que, quando o oceano tudo cobria, os animais que hoje povoam a terra eram aquáticos, tornando-se anfíbios à medida em que se retiravam as águas, e que seus descendentes, por fim, abandonaram suas primitivas moradas. Todavia essa opinião conflita com a dos Sagrados Escritores (ou Sagradas Escrituras?), o que significa afastar-se da religião.”
Esta última citação chama a atenção para outro aspecto da abrangente personalidade de Leibnitz que, nascido em piedosa família luterana, procurou aprofundar-se também no campo da teologia (como também Newton), chegando a publicar sua famosa obra “Teodicéia”, em 1710, na qual exprimiu suas idéias a respeito da justiça divina.
Particularmente, deve ser destacado o fato de que cientistas do porte de Newton e Leibnitz deixaram também sua marca no campo da Teologia!