Considerações Sobre o Segundo Princípio da Termodinâmica e a Concepção do Universo Como Sistema Aberto ou Fechado
por Ruy Carlos de Camargo Vieira
INTRODUÇÃO
Tem sido reconhecido que o Segundo Princípio da Termodinâmica apresenta aspectos metafísicos que apontam para a existência de um Criador do Universo. Não obstante, tem havido muita reação da corrente naturalista, que prima pela defesa do materialismo e do ateísmo, contra asserções feitas até mesmo em livros didáticos por autores que honestamente reconhecem esses aspectos metafísicos embutidos no Segundo Princípio. Caso típico é o do conhecido livro Fundamentals of Classical Thermodynamics, de autoria de Gordon J. Van Wylen e Richard E. Sonntag, traduzido para o Português com o título “Fundamentos da Termodinâmica Clássica” e adotado em numerosos cursos de Engenharia Mecânica no Brasil.
À esquerda, capas do livro “Fundamentals of Classical Thermodynamics”(1959)
de Gordon J. Van Wylen e Richard Sonntag, e à direita, fotografia de Van Wylen.
Van Wylen, nascido em 1920, formou-se em Engenharia Mecânica na Universidade de Michigan em 1940, onde foi Chefe do Departamento de Engenharia Mecânica a partir de 1969 e posteriormente Reitor da Universidade. Aposentou-se em 1987, e foi um cristão professo que manteve um grupo semanal de estudos da Bíblia em seu lar por mais de sessenta anos. Sua vida inspirou o engenheiro professor de Termodinâmica e pastor ordenado Gilbert Wedekind a publicar em 2003 o livro “Entropia Espiritual” [Spiritual Entropy: Life-Changing Insights Revealed by a Unique Natural Law (pp. ix, 148). Xulon Press]. Seu livro “Fundamentals of Classical Thermodynamics”, publicado originalmente em 1959, teve numerosas edições, incluindo traduções para outras línguas. No Prefácio, ele afirmava que esse seu livro havia sido escrito “com o auxílio e a graça de Deus, o Criador do Universo” (página xi da edição original). Na segunda edição (1973), ele e o co-autor Richard Sonntag (nascido em 1933 e falecido em 2010), acrescentaram no capítulo dedicado à “entropia” um trecho com comentários sobre alguns aspectos filosóficos relacionados com essa função termodinâmica.
Antes de tecer algumas considerações sobre esses comentários dos autores, porém, é oportuno destacar que a denominação “Termodinâmica Clássica” utilizada em seu livro, em princípio tem sido usada para caracterizar a fase do desenvolvimento da Termodinâmica anterior à elaboração do modelo da estrutura atômica da matéria (em torno de 1890). Por esse fato, essa denominação abrange o estudo da Termodinâmica feito independentemente de quaisquer modelos que tivessem sido ou que ainda viessem a ser estabelecidos para a constituição da matéria. Deste fato é que resulta a grande potencialidade da Termodinâmica Clássica para a explicação de fenômenos de intercâmbio de energia, como se pode depreender da manifestação seguinte, feita por alguém indubitavelmente credenciado para tal: “Uma teoria é tão mais poderosa quanto maior for a simplicidade de suas premissas, quanto mais diferentes espécies de coisas ela abranja e quanto mais extenso for o campo de sua aplicação. Daí a profunda impressão que a Termodinâmica Clássica tem me causado. Ela é a única teoria física que apresenta conteúdo universal com relação à qual estou convencido que jamais cairá por terra, no âmbito da aplicabilidade de seus conceitos.” [(a) Einstein, Albert. (autor), Paul Arthur, Schilpp (editor). (1979). Autobiographical Notes. A Centennial Edition, (p. 31). Open Court Publishing Company. (b) Citação encontrada em Don Howard, John Stachel. Einstein: The Formative Years, 1879-1909 (Einstein Studies, vol. 8). Birkhäuser Boston. 2000. (p. 1)]. Isso posto, faremos algumas despretensiosas considerações sobre alguns daqueles aspectos filosóficos relacionados com a função termodinâmica “entropia”, mencionados na tradução brasileira do livro de Van Wylen e Sonntag que foi publicada pela Editora da USP em co-edição com a Editora Edgard Blücher com o título “Fundamentos da Termodinâmica Clássica”. Destacamos, inicialmente, que à página 219 dessa edição em Português, no item 7.14 – “Alguns Comentários Gerais Referentes à Entropia” – consta o trecho transcrito a seguir:
“O comentário final a ser feito é que a Segunda Lei da Termodinâmica e o Princípio do Aumento da Entropia têm implicações filosóficas.
- Aplica-se a Segunda Lei da Termodinâmica ao Universo como um todo?
- Será que há processos desconhecidos por nós que ocorram em algum lugar do Universo, tais como “criação contínua”, aos quais está associada uma diminuição de entropia e que compensam assim o aumento contínuo da entropia que está associado aos processos naturais que conhecemos?
- Se a Segunda Lei é válida para o Universo (não sabemos, é claro, se o Universo pode ser considerado como um sistema isolado), como é que ele chegou ao estado de entropia baixa?
- Na outra extremidade da escala, se todos os processos conhecidos por nós estão associados a um aumento de entropia, qual é o futuro do mundo natural como o conhecemos?
Obviamente, é impossível dar respostas conclusivas a essas perguntas com base apenas na Segunda Lei da Termodinâmica. No entanto, os autores enxergam a Segunda Lei da Termodinâmica como a descrição, pelo homem, do trabalho anterior e contínuo de um Criador, que também possui a resposta para o destino do homem e do Universo. (Maiúsculas supridas em Universo e Criador).”
É interessante destacar que esse trecho, que deixou clara a manifestação dos autores a respeito da sua posição criacionista, inexplicavelmente foi suprimido depois da 4ª edição do livro em Português!
Não podemos deixar de nos manifestar que, da mesma forma como exposto pelos autores na segunda edição de seu livro em Inglês, reconhecemos também que o Segundo Princípio da Termodinâmica tem “implicações filosóficas” que apontam para a existência de um Criador do Universo. Reconhecemos, também, que esse Criador revelou Seus desígnios e propósitos nas Escrituras, onde temos informações básicas tanto sobre a origem como sobre o destino do homem e do Universo. E quanto à razão da supressão do referido trecho nas edições posteriores do livro, somos levados a crer que esse fato deveu-se exclusivamente à tentativa de eliminar a manifestação dos autores a favor daquele Criador que também tem a resposta tanto para a origem como para o destino do homem e do Universo, em face da pressão cada vez maior que vem sendo exercida pelos adeptos da forte corrente materialista e ateísta, que têm lutado contra a inserção de qualquer manifestação de cunho criacionista nos livros didáticos e nos meios de comunicação. Com esse pano de fundo, seguem algumas considerações de natureza termodinâmica clássica mais específicas, consentâneas com a posição criacionista relacionada com implicações filosóficas a respeito da origem e do destino do homem e do Universo.
RELACIONANDO O SEGUNDO PRINCÍPIO DA TERMODINÂMICA COM A ORIGEM E O DESTINO DO HOMEM E DO UNIVERSO
Um exemplo bastante ilustrativo da relação existente entre o Segundo Princípio da Termodinâmica e a atuação do Criador nos Seus atos da criação do Universo e também da sua manutenção e sustentação pode ser visualizado no funcionamento de um refrigerador.
Um “refrigerador”, ou “máquina frigorífica” é um dispositivo destinado a retirar calor de um ambiente utilizando um ciclo frigorífico em que um determinado fluido evapora-se retirando calor desse ambiente, para depois condensar-se entregando esse calor a outro ambiente, acrescido do equivalente térmico da energia mecânica introduzida no dispositivo motor/compressor utilizado para efetivar a circulação do fluido.
Na Figura 1 apresentam-se ilustrações de um refrigerador do tipo comumente utilizado em residências, destacando seus componentes termodinâmicos básicos, com e sem o arcabouço que o complementa para servir às finalidades práticas do seu uso doméstico.
Figura 1
Utilizando a representação usual na Termodinâmica, em que os dispositivos complexos nos quais se processam as transformações de estado do fluido frigorífico são indicados por blocos, o refrigerador, como máquina frigorífica de compressão mecânica, pode ser representado pelo esquema da Figura 2.
Figura 2
Nessa Figura 2 estão indicados os componentes básicos da máquina frigorífica:
- Compressor, onde o fluido frigorífico, na forma de vapor, é comprimido do estado de vapor saturado (1) com baixa pressão, para o estado de vapor superaquecido (2), com pressão mais elevada.
- Condensador, onde o fluido frigorífico se resfria cedendo calor para o ambiente externo, partindo do estado de vapor superaquecido (2) até atingir o estado de vapor saturado com menor temperatura, e continuando a ceder calor condensando-se sob pressão e temperatura (de vapor saturado) constantes, até atingir o estado líquido (3).
- Válvula de expansão, onde o líquido resultante da condensação no estado (3) sofre uma transformação isoentálpica até atingir o estado de vapor (4) com a pressão e a temperatura mantidas no evaporador.
- Evaporador, onde o fluido frigorífico evapora-se sob pressão e temperatura constantes desde o estado de vapor (4) até o estado de vapor saturado (1), encerrando-se assim o ciclo frigorífico.
Essas transformações de estado do fluido frigorífico ocorridas em um ciclo simples, como o indicado na Figura 2, podem ser visualizadas na forma de um “diagrama entrópico” representado em um plano cujas coordenadas são a entropia S e a temperatura absoluta T, no qual são indicadas as linhas de pressão constante e as linhas de entalpia constante, como representado graficamente na Figura 3.
Figura 3
Nesse diagrama entrópico estão indicados:
- O trabalho mecânico L introduzido no fluido frigorífico pelo dispositivo denominado “compressor” no decorrer da transformação do estado (1) ao estado (2),
- A quantidade de calor Q1 retirada do ambiente que está sendo refrigerado e introduzida no fluido frigorífico no decorrer da transformação do estado (4) ao estado (1) ocasionando a sua evaporação a temperatura constante no dispositivo denominado “evaporador”, e
- A quantidade de calor Q2 cedida pelo fluido frigorífico ao ambiente externo durante os processos de resfriamento no decorrer da transformação do estado (2) ao estado (3) incluindo a condensação a temperatura constante, ocorridos no dispositivo denominado “condensador”.
Todos os respectivos processos de transformação do fluido frigorífico ocorridos durante o ciclo simples percorrido pela máquina frigorífica, conforme exposto acima, podem ser devidamente visualizados no dispositivo didático que foi chamado de “máquina frigorífica transparente” (Figura 4), especialmente projetada e construída para ilustrar os fenômenos de evaporação e condensação observados no ciclo simples que foi considerado, permitindo também as medidas de pressão e de temperatura nos vários pontos do ciclo indicados no respectivo esboço de diagrama entrópico representado na Figura 3.
Figura 4
É simplesmente impressionante poder-se observar, nessa máquina frigorífica transparente, como, ao ser ligado o compressor, inicia-se o processo de circulação do fluido frigorífico, e como ocorrem os processos de condensação e de evaporação, e particularmente como se inicia a diminuição da temperatura no evaporador e o consequente aumento de temperatura no condensador até ser atingida uma situação de equilíbrio em que continuamente é retirado calor de uma fonte fria para ser transmitido a uma fonte quente.
E, da mesma forma, como, ao ser desligado o compressor, ao cessar o fornecimento de energia que possibilitou o processo de retirada de calor de uma fonte fria e sua transmissão a uma fonte quente, a máquina “morre” e entram em ação os processos de degradação que levam à “morte térmica” final do sistema, ou seja, tudo volta à temperatura ambiente, sendo atingida a configuração de máxima entropia do sistema.
Isso que se visualiza qualitativamente na máquina frigorífica transparente é exatamente o que os próprios Princípios da Termodinâmica exprimem de forma quantitativa. De fato, voltando-se aos esquemas ilustrados nas Figuras 2 e 3, obedecidas as notações ali introduzidas, pode-se escrever a expressão quantitativa do “Primeiro Princípio da Termodinâmica” sob a seguinte forma
Q2 = L + Q1
que explicita a conservação da energia no decorrer da execução de um ciclo na máquina frigorífica em questão. Ou seja, após a realização de um ciclo completo, a soma da energia mecânica L introduzida no fluido frigorífico pelo compressor mecânico, com a energia térmica Q1 introduzida no fluido frigorífico através do dispositivo evaporador (advinda do ambiente que está sendo refrigerado) iguala a energia térmica Q2 transmitida ao ambiente externo através do dispositivo condensador.
Por outro lado, a mesma expressão anterior pode também explicitar muito bem o conteúdo qualitativo contido no “Segundo Princípio da Termodinâmica”, ou seja, pode-se inferir que, sem a introdução da energia mecânica (L= 0) no compressor desse sistema especialmente projetado e construído para retirar energia de uma fonte fria, não será possível a transferência de calor espontaneamente da fonte fria para a fonte quente, isto é, sendo L=0, será também
Q1 = Q2 = 0.
Na realidade, essa inferência poderia ser esquematizada mediante a ilustração esquemática que se encontra na Figura 5, onde o sistema fechado constituído pela máquina frigorífica apresenta-se desligado da fonte externa de energia que poderia acionar esse dispositivo especialmente projetado para possibilitar a transferência de calor de uma fonte fria para uma fonte quente.
Sistema fechado ou “isolado”
Figura 5
Ao ser desligada a fonte de energia externa que era necessária para manter o sistema exercendo as funções para as quais havia ele sido planejado e executado, o sistema que anteriormente era aberto, nesse caso torna-se fechado (ou isolado), e nele só passam a ser possíveis, em conformidade com o próprio Segundo Princípio da Termodinâmica, transformações em que o valor da entropia S sempre aumente (dS>0), o que significa que tudo nele tenderá a se degradar, até ocorrer finalmente a “morte térmica” desse sistema fechado.
Vale relembrar, entretanto, que, admitindo-se que uma fonte de energia externa a esse sistema (especialmente projetado para possibilitar a transferência de calor de uma fonte fria para uma fonte quente) o esteja alimentando, será perfeitamente possível a ocorrência de transformações nesse sistema aberto, com diminuição ou manutenção do valor da entropia S (.S=0), o que significa que poderão ocorrer no sistema transformações que se oponham a sua degradação e à sua “morte térmica”, conforme ilustrado esquematicamente na Figura 6.
Sistema aberto
Figura 6
Extrapolando esses conceitos meramente termodinâmicos, mas que, conforme Van Wylen e Sonntag, apresentam implicações filosóficas, desejamos destacar a declaração bíblica de que “As vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus, e os vossos pecados encobrem o Seu rosto de vós” (Isaías 59:2). Para tornar mais claro o significado desse texto, lembramos que a definição bíblica de “pecado” encontra-se na Primeira Epístola do Apóstolo João, capítulo3, versículo 4 – “… porque o pecado é a transgressão da lei”. Em algumas traduções do texto bíblico essa mesma passagem reza explicitamente: “… porque o pecado é iniquidade”.
Assim o relato bíblico da “Queda”, que se encontra no capítulo 3 do Livro de Gênesis, deixa explícito que a transgressão, iniquidade ou pecado do primeiro casal teria (e teve) consequências funestas de degradação e morte, e sob o prisma da Termodinâmica Clássica podemos então compreender que essas consequências derivaram da separação ocasionada pelo pecado – o sistema inicial que era aberto tornou-se fechado, isolado da fonte de energia que o poderia manter funcionando sem degradação!
De fato, não deixa de ser possível a suposição de que a Criação tenha correspondido a uma situação em que o Universo tivesse sido um sistema aberto, alimentado constantemente pela fonte externa de energia provida diretamente pelo Criador, onde ocorressem transformações caracterizadas pela diminuição ou manutenção do valor da entropia, opondo-se portanto à degradação e consequentemente à morte.
E, por outro lado, com a entrada do pecado no Universo, uma vez tendo sido ocasionada a separação do Criador, aquela ligação até então permanentemente supridora de vida, tenha sido cortada, resultando, então, um sistema fechado caracterizado por transformações com aumento do valor da entropia e consequentemente pela degradação e a morte.
São essas lições que, guardadas as devidas proporções, podem ser inferidas das duas situações análogas que foram consideradas nos exemplos de comportamento termodinâmico da máquina frigorífica nas duas situações distintas, em que ou foi constituído um sistema aberto ou um sistema fechado (Figuras 5 e 6).
E, para finalizar, certamente o sistema fechado atual em breve será transformado, tornando-se novamente um sistema aberto com a intervenção direta do Criador, de tal forma que nele não mais haverá degradação e morte, conforme as declarações bíblicas: “Pois eis que Eu crio novos céus e nova terra, e não haverá lembrança das coisas passadas” (Isaías 59:17), “… E Deus mesmo estará com eles, e lhes enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Apocalipse 21:3-4).