Algo completamente inusitado ocorreu na publicação “Ciência Hoje” da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC – em seu nº 200, vol. 34,de dezembro de 2003!

Trata-se de um excelente artigo intitulado “Girafas, Mariposas e Anacronismos Didáticos”, de autoria de Isabel Rebelo Roque, que corajosamente enfrentou a realidade do silêncio cúmplice dos livros didáticos em nosso país quanto às calorosas polêmicas que têm ocorrido na mídia científica internacional relativamente a exemplos apresentados como comprovação da evolução das espécies – a explicação de Lamarck para o tamanho do pescoço das girafas (e seu contraponto darwinista), e o da seleção natural em mariposas dos bosques da Inglaterra durante a Revolução Industrial. Conforme explicitado na primeira página do artigo, “Tais exemplos permitem uma completa discussão que envolve interesses e responsabilidades da comunidade científica sobre o modo como divulgar, ou deixar de divulgar seus estudos e conclusões”.

A literatura criacionista, de longa data, tem desmascarado ambos os casos citados acima, deixando claro que para nada servem as explicações tendenciosas usualmente apresentadas nos livros textos como argumentos a favor da evolução das espécies. Não obstante, coube à autora do artigo despertar a atenção dos próprios círculos evolucionistas para a falácia desses exemplos, neste seu ótimo artigo. E ainda mais, a autora aponta para outros aspectos nefastos para o próprio desenvolvimento da ciência, decorrentes da perpetuação de mitos semelhantes a estes. São dela as palavras transcritas a seguir:

Quando falamos em atualizar as informações em materiais de divulgação científica, cursos e livros didáticos, falamos em pôr em evidência um problema maior: o da “cristalização” de conceitos, em ciência e em outros campos. Falamos, ainda, do problema crônico da não-ventilação das informações a que professores e autores de material didático têm acesso – ambos têm formação superior, mas em geral não são cientistas.

Falamos do risco de apresentar a ciência como instância sagrada e fechada, que permanece imutável, a salvo de reavaliações e, ao mesmo tempo (como revela a história das girafas), tão vulnerável a ponto de cair em “armadilhas”, pela perda da perspectiva histórica. Falamos, ainda, do comodismo de nos agarrarmos a modelos científicos que seriam excelentes, não fossem eles inconsistentes como modelos.

… A jornalista Judith Hooper lançou em 2002, na Inglaterra (e depois nos Estados Unidos), o livro “Of Moths and Men” [Sobre Mariposas e Homens]. A obra utiliza outro exemplo clássico de evolução para lançar luz sobre um tema antes restrito ao círculo dos que defendem as idéias criacionistas – mais modernamente os teóricos do “Design Inteligente”.

… Nos livros didáticos, esse exemplo costuma vir acompanhado da descrição de uma série de experimentos do biólogo Bernard Kettlewell, da Universidade de Oxford, na década de 1950. Muitas vezes os livros trazem fotografias que registram os experimentos (ou que reproduzem os registros originais), mostrando mariposas “Biston” claras e escuras em repouso sobre troncos de árvores. Os livros relatam que Kettlewell, nos experimentos, coletou mariposas com os dois padrões de cor e os liberou em ambientes controlados onde havia troncos também com diferentes colorações. Ao recapturar as sobreviventes, ele teria constatado o que já se esperava: o índice de sobrevivência era diretamente relacionado ao padrão de cor dos troncos.

Tudo estaria perfeito, não fossem, como no caso das girafas, alguns senões. O primeiro foi a descoberta de que os experimentos não transcorreram exatamente como foram descritos. Houve um “empurrãozinho”, pois as mariposas não estavam vivas: foram coladas aos troncos. O segundo é que o comportamento das mariposas Biston na natureza não se encaixa tão perfeitamente no modelo descrito. O terceiro é que a relação “predomínio de uma cor / grau de poluição do ar” não se manteve como o esperado.

O livro de Hooper não é o primeiro a “devassar” o caso Kettlewell. Há cinco anos, por exemplo, Michael Majerus fez o mesmo em “Melanism: Evolution in Action” (Melanismo: Evolução em Ação). Em resenha sobre esse livro, publicada na revista “Nature” (396, p. 35, 1998), Jerry Coyne, do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago, compara a decepção diante da verdade sobre os experimentos de Kettlewell ao que sentiu quando criança ao saber que Papai Noel não existia.

Segundo Coyne, o livro de Majerus é o primeiro a reunir os pontos criticáveis no trabalho de Kettlewell. O mais grave é que as mariposas Biston, em condições naturais, provavelmente não repousam sobre troncos – em mais de 40 anos de estudos sobre os seus hábitos, apenas duas foram vistas fazendo isso. O local preferido continua um mistério, mas acredita-se que seja o alto das copas das árvores. Só isso, afirma Coyne, invalidaria os experimentos, já que colocar as mariposas sobre os troncos as tornaria altamente visívies, o que aumentaria artificialmente a predação. Além disso, Kettlewell expôs as mariposas durante o dia, quando em geral elas escolhem locais de repouso à noite.

Mas outro fator compromete a história: na verdade, o novo aumento na proporção da variedade clara ocorreu bem antes da recolonização dos troncos pelos líquens (que supostamente favoreceriam a camuflagem das mariposas claras). E mais: o aumento e depois a redução de mariposas escuras também ocorreram em áreas industriais dos Estados Unidos, onde, porém, não houve alteração na incidência de líquens – é o que relativiza bastante o papel destes na história toda.

O artigo conclui então com o tópico “E agora: descartar ou não o exemplo?”, do qual transcrevemos o seguinte trecho:

Majerus, em seu livro, admite as inúmeras falhas do modelo, mas ainda assim o considera didaticamente útil. Jerry Coyne, entretanto, pondera que esse não é o melhor exemplo a ser usado em sala de aula, devido a seus pontos fracos. Essa posição fez de Coyne, à sua revelia, uma “arma” dos criacionistas contra a teoria da evolução. Ele sugere como mais apropriado o trabalho mais recente dos ecólogos Peter e Rosemary Grant sobre a evolução do bico dos tentilhões das ilhas Galápagos – tema de um livro de leitura fácil e agradável, já traduzido para o português: “O bico do tentilhão: uma história da evolução no nosso tempo” (Rocco, 1995), do jornalista Jonathan Weiner.

O debate sobre usar ou não o exemplo das mariposas para fins didáticos está longe de uma solução fácil. O biólogo evolucionista David Rudge, da Universidade Western Michigan, escreveu que manter a história no espaço escolar teria inúmeras vantagens. Enquanto Coyne diz que suas contradições inviabilizam o uso pedagógico. Rudge acredita que ela constitui excelente veículo para apresentar a estudantes o conceito de seleção natural. Para ele, expor as discrepâncias envolvidas no assunto permitiria mostrar a natureza da ciência como um processo.

Novamente trata-se de uma questão delicada, na qual estão em jogo aspectos como corporativismo da comunidade científica, necessidade de controle, manipulação, de um lado, e desinformação, de outro. Como no exemplo da girafa – perfeito, didático, mas falso –, recorrer às mariposas de Manchester é tentador: permite trabalhar de modo simples, conceitos complexos como evolução e seleção natural. Mas insistir neles é falsear informações e, de quebra, passar a alunos e professores uma idéia dogmática e nem um pouco ética da ciência. A ciência não tem de ser ensinada como a arte do “jeitinho”, mas como um campo do conhecimento sujeito a falhas, aperfeiçoamentos e inesperadas complexidades diante do que parecia simples e “didático”.

Parabéns à autora pela coragem de enfrentar as “vacas sagradas” do evolucionismo!

É interessante observar que, no número seguinte da revista “Ciência Hoje” foram apresentadas duas cartas de leitores sobre o assunto versado no artigo sobre “Girafas, Mariposas e Anacronismos Didáticos”.

· Uma das cartas tentou se contrapor à crítica feita aos anacronismos didáticos, mencionando que um livro em português abriu um “box” discutindo a história das mariposas, e outro “box” discutindo a vantagem seletiva do pescoço da girafa. Na mesma carta foram feitas menções a cientistas que trabalharam sobre o tema das mariposas, que estariam defendendo o indefensável… Neste caso, a própria redação da revista incumbiu-se de se contrapor a essa manifestação, deixando claro que ambos os exemplos continuam sendo polêmicos, e citando afirmações de Stephen J. Gould e outros cientistas de peso convergentes com o ponto de vista esposado pela autora do artigo em questão.

· A segunda carta foi de autoria de Enézio E. de Almeida Filho, do Núcleo de Design Inteligente, autor de um dos artigos que constam neste número da Revista Criacionista, no qual o mesmo assunto foi tratado. Achamos bastante útil transcrever esta carta, para conhecimento de nossos leitores.

“O tema abordado por Isabel Rebelo Roque em “Girafas, mariposas e anacronismos didáticos” na edição 200 presta um serviço para a urgentíssima correção e atualização de nossos livros didáticos nos ensinos fundamental, médio e superior. Em 1980, Stephen Jay Gould teve a ousadia de declarar (…) que o ‘neodarwinismo’ era uma ‘teoria efetivamente morta’ mas que persistia como ‘ortodoxia’ nos livros-textos de biologia.

Por essa postura ética e científica, foi e é desancado até hoje por muitos luminares como [Richard] Dawkins. Quando cursava o mestrado em história da ciência na PUC-SP em 1998, pretendia abordar na minha dissertação cinco ‘anacronismos’ encontrados nos melhores livros didáticos de autores brasileiros e quais os interesses ‘velados’ da comunidade científica pela omissão da divulgação dos estudos e conclusões que contrariam o atual paradigma. Durante a elaboração da pesquisa, notifiquei os autores sobre a existência dessas distorções e até sobre o uso de duas fraudes: os embriões de Haeckel e a seleção natural em mariposas Biston betularia. A maioria dos autores não estava atualizada [quanto a isso] e os poucos que sabiam, mais por razões ideológicas do que científicas, preferiram varrer aquelas anomalias para debaixo do tapete epistemológico.

Falseando as informações, com ou sem conhecimento de causa, passa aos professores e alunos não só uma idéia dogmática mas não ética de ciência: a manutenção de evidências distorcidas para apoiar uma teoria que há muito tempo deveria ter sido reestruturada ou descartada.

Se a ciência é um processo de conhecimento que sempre se corrige, por que os nossos melhores livros didáticos ainda veiculam essas fraudes [uma secular – os embriões de Haeckel] e ‘anacronismos’? Qual é o motivo que impede a veiculação democrática e atualizada desses conhecimentos? Em ciência não devemos seguir as evidências onde quer que elas vão dar? Com a palavra a Semtec/MEC, que já foi notificada documentalmente por este autor a respeito dessa grave e inusitada situação.”

Dentro deste contexto, vale ressaltar que a Sociedade Criacionista Brasileira publicou a tradução do livro “Evolução – Um Livro-texto Crítico”, premiado na Alemanha e no Brasil, que constitui uma excelente contribuição para a apresentação equilibrada de temas como os que foram tratados na revista “Ciência Hoje” que envolvem a controvérsia entre o Criacionismo e o Evolucionismo.

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